Antes do esquecimento
Problemas psiquiátricos podem representar os primeiros sinais da doença de Alzheimer
A dificuldade de encontrar as chaves do carro, distraidamente guardadas na gaveta de meias em vez do habitual porta-chaves, ou o terror de não lembrar o caminho de casa após uma corrida pelo bairro, como o vivido pela professora universitária no filme Para sempre Alice, de 2014, podem não ser os primeiros sinais da doença de Alzheimer. Descrita há pouco mais de um século pelo psiquiatra e neuroanatomista alemão Alois Alzheimer e, quase simultaneamente, pelo também psiquiatra e neuroanatomista checo Oskar Fischer, essa enfermidade que elimina progressivamente as células cerebrais tornou-se conhecida por apagar a memória e reduzir a capacidade de planejar e realizar as tarefas do dia a dia, como fazer a lista do mercado. Esses sinais, no entanto, são típicos dos estágios avançados da doença. Muito antes, ela pode se manifestar de modo dissimulado, fazendo-se confundir com problemas mais comuns na população, como a depressão, a ansiedade ou alterações súbitas no padrão de sono e apetite.
Há algum tempo se sabe que esses distúrbios psiquiátricos são mais frequentes nas pessoas que desenvolvem Alzheimer ao envelhecer do que na população idosa saudável. Parte dos neurologistas e especialistas em saúde mental defende, com base em estudos populacionais, que a depressão e a ansiedade surgiriam primeiro, em decorrência de isolamento e outras dificuldades impostas pelo envelhecimento, e, se não tratadas, aumentariam o risco de Alzheimer. Começam agora a surgir evidências de que, ao menos em parte dos casos, o oposto pode acontecer: as manifestações psiquiátricas surgiriam em consequência de danos neurológicos dos estágios iniciais do Alzheimer.
Indicações sólidas de que os problemas psiquiátricos precederiam a perda de memória e a demência, que se manifestam de duas a três décadas depois das primeiras lesões neurológicas do Alzheimer, vêm de um trabalho conduzido pela neuropatologista brasileira Lea Tenenholz Grinberg. Professora da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), Estados Unidos, Lea e colaboradores brasileiros e norte-americanos observaram que, após surgirem as primeiras lesões, aumenta o risco de problemas psiquiátricos. A probabilidade de desenvolver ansiedade e alterações (aumento ou diminuição) de apetite e sono é três vezes mais alta em quem tem as lesões iniciais do que nas pessoas sem elas. Também o risco de depressão é quase quatro vezes mais elevado e o de agitação seis vezes maior. “Esses resultados indicam que, em parte desses casos, a doença de Alzheimer já está instalada em áreas que modulam a atividade cerebral quando as primeiras manifestações psiquiátricas surgem”, afirma Lea.
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